domingo, outubro 12, 1997

Ao Meu Irmão

O texto abaixo redigi no dia 12 de outubro de 1997 durante uma madrugada de angústias, perturbações e reflexões após um confronto recém ocorrido.
O arquivo foi salvo às 6:27h mas na realidade eram 7:22h (o relógio do PC estava errado)
Este arquivo foi reencontrado no dia 15 de fevereiro de 2005, sete anos e quatro meses após sua elaboração. Relendo-o surpreendi-me ao confrontá-lo com os fatos que se sucederam, percebi o quão previsível pode ser a vida de uma pessoa.
O rio do destino segue inexorável leito de um vale lógico margeado pelo cenário que cada um constroi em torno de si. Profecia nada mais é do que olhar à juzante.
Nunca apresentei este texto a ninguem e após tanto tempo ele perdeu sua utilidade inicial adquirindo outra: a de registro. Espero que, bem utilizado, este registro fundamente a urgente necessidade de uma mudanças de atitude prevenindo outras consequencias danosas.

Eis o texto completo e sem correções:

Nosso último encontro terminou de forma pouco amistosa e por isto estou lhe escrevendo, não porque sinta que tenho alguma satisfação a lhe prestar, mas principalmente porque sinto-me finalmente no direito de externar opiniões que possuo sobre pontos diversos de nosso relacionamento, de seu comportamento, e outras coisas. Como pode notar escolhi a forma escrita pois é mais discreta e lhe dá o privilégio de divulgá-la, ocultá-la, ler na hora e lugar em que julgue mais conveniente, responder ou destruir se achar importante, enfim uma forma bastante civilazada de comunicar-se. Por favor não se detenha a julgar a forma do texto pois foi concebido apenas voltado ao conteúdo e as idéias podem ocorrer desordenadamente.
Analisando o episódio de nosso último encontro, enquanto estava na estrada voltando para casa, de onde talvez eu não deveria ter saído naquele final de semana, fiquei imaginando no que você estaria pensando após a sua explosão. Será que você, em um momento mais sereno, refletiu que quando me julgou um animal ( ou portador de conduta animalesca ), agiu da mesma forma, ou seja, criticou-me e insultou-me veementemente diante de minha esposa, filhos, mãe e padrasto? Supondo que este pensamento tenha lhe ocorrido é natural supor que na seqüência você deve ter pensado no que o levou a agir desta forma e aí a justificativa mais obvia é de que você não suportou saber que um ente querido ( no caso o papai ) ser humilhado em sua própria casa, como você mesmo chegou a dizer-me. A terceira e mais importante indagação, esta eu suponho que não lhe ocorreu : Será que o Luis Eduardo quando está na casa do Papai não se sente exatamente como eu me senti quando explodi indignado???
Pois bem, chega de suposições pois não somos filósofos, vamos aos fatos :
Já lhe falei anteriormente que não suporto a forma como o Papai é tratado naquela casa e nas situações em que ele é envolvido, talvez você não perceba nada estranho pois uma vez já tentou lhe dar um soco que até quebrou a pulseira do seu relógio;
Será que eu sendo ríspido com a Nice é uma humilhação para o Papai ou será que humilhação para ele é ser envolvido em um golpe como o da borracharia que mesmo a você causou enorme indignação?
Se vale minha opinião, considero realmente uma humilhação para o Papai o fato de toda sua vizinhança ficar falando que o Fernando é um viciado, um vagabundo, um gay, etc. Como o Papai tem consciência de que o Fernando foi acolhido em seu lar ainda um garoto, o Papai deve sentir-se co-responsável pela sua educação, e portanto humilhado pelas atitudes de seu adotado;
De certa forma considero também humilhante a situação financeira em que o Papai se encontra. Não faz sentido o Papai ter gasto boa parte ou até toda a indenização que possuía em uma obra no litoral . Não tenho os números precisos mas quando aposentou-se pela primeira vez deve ter levantado pelo menos 20 vezes o seu salário e após a aposentadoria definitiva já com a obra em andamento, possuía em poupança cerca de 40 mil dólares. Não creio que o momento era de desenvolver patrimonio sendo que nem mesmo um plano de saúde ele possui. Afinal qual o seu real conceito de cuidar bem do Papai ?
Mudando um pouco de assunto quero contar-lhe sobre a ironia do que me aconteceu naquele fatídico final de semana:
Nunca fui para Santo André no dia dos Pais por vários motivos que vão desde financeiros até o não respeito a datas de cunho comercial ( dia dos Pais, Mães, Crianças, etc ). Mas naquela Sexta-feira fui motivado a ver meu Pai e levar a Mica para ver o Pai dela. É que ocorreu um fato estranho, eu estava na Wavecom com o Carletti capturando imagens de video das crianças do Carletti para fazer transfer para camisetas. Quando já tínhamos terminado a tarefa e estava para desligar o computador surgiu subitamente uma imagem do pai do Carletti que faleceu há cerca de tres anos atras. Ele ficou muito impressionado e pediu que reiniciássemos o trabalho para capturar também aquela imagem que por sinal foi a que deu melhor resultado. Naquele momento senti que o Carletti ( que por acaso chama-se Sergio Luiz Carletti ) ficou emocionado com o que via e que a imagem do Pai na antevéspera do dia dos Pais lhe era uma grata coincidencia. Naquele momento refleti que deveríamos dar um abraço em nossos pais, eu e a Mica. Contei a história para a Mica e ela topou imediatamente.
No Domingo fomos eu e o Thiago à Guaporé e confesso que nunca vi o Papai tão tagarela, falamos de tudo, nos atrasamos à beça. Ao final, em particular, o Papai de forma inusitada interrompeu o que estávamos conversando e pediu desculpas pela atitude da Nice dizendo :
"Olha, desculpa pelo que a Nice fez. É que ela está muito perturbada porque esta semana ela descobriu que o Fernando está envolvido em drogas e além disso está com tensão pré-menstrual. Dizem que se uma mulher matar o marido durante a T.P.M. ela pode até ser absolvida"
Conversando um pouco mais ele contou das dificuldades de lidar com os delinquentes pois o filho do Juvenal anda até armado e que dias atras estava procurando não sei quem para matar.
Na sequência fez outra revelação, disse que a Nice não gosta de mim tanto quanto eu não gosto dela mas que ela lhe disse o seguinte :
"... que você é diferente do Sergio Luis porque você nunca vem prá tentar tirar o que é seu ( do Papai ) ..."
Sérgio Luis, daqui para frente o assunto fica mais desagradável pois vou fazer como você fez, vou falar o que penso, claro que não na frente dos seus filhos em voz alta mas aqui, cá entre nós, discretamente. Sem insultar sua inteligência vou antes justificar porque sinto-me no direito de falar-lhe. Posso basear-me em tres possibilidades, a primeira é puramente técnica baseada no direito de resposta; a Segunda é bíblica "não julgueis pois serás também julgado" e a terceira e mais importante é que o meu interesse por você é puramente afetivo e eu não tenho nada a perder, só a ganhar ( com a unidade da família ).
Nós não somos mais crianças, você está completando dia 26, trinta e sete anos. Ao longo desta vida assumimos compromissos sempre muito sérios e que devemos tratar da mesma forma, com seriedade e de frente. Francamente está na hora de você começar a viver sua própria vida, se quer brincar de viver separado de sua esposa e filhos entregue a casa em que mora de favor (cuja quebra de renda aos proprietários é da ordem de 8 mil ao ano em valores camaradas) e vá procurar um hotel ou outra casa para alugar encontrando também outros fiadores para o seu contrato.
Caso você tenha um relacionamento ou mesmo um sentimento fora do casamento, defina-se. Não deixe outras pessoas iludidas ou ansiosas com sua indefinição. Não dê um mal exemplo aos seus filhos, no futuro eles acharão que uma vida conjugal turbulenta é muito natural e não perceberão a vergonha e humilhação que poderão causar aos pais e parentes caso procedam da mesma forma.
Não conte com heranças nos seus projetos. Use seus próprios recursos para atingir seus objetivos de crescimento, se alguém lhe estender a mão tanto melhor mas não obrigue outras pessoas a pactuarem com suas intenções de invadir o patrimônio alheio.
Honre seus compromissos, se tiver que pedir um dinheiro emprestado diga quanto, quando e como vai restituí-lo. Nunca imagine que alguém não precise resgatar o empréstimo pois nunca sabemos da real situação financeira de quem nos ajudou quando precisamos.
Não seja perdulário. Se você deve a alguém não faça despesas supérfluas até a quitação da sua dívida, além de desonroso é visto como uma ofensa a seus credores.
Reflita o seguinte: Você explodiu comigo porque eu tratei mal quem quer lhe dar uma parte de seu terreno para construir sua casa em Bertioga, porque eu tratei mal o Papai ou porque eu falei do muro que você não pintou?
Ajuda voluntária só é voluntária quando é voluntária !! É ridículo você reclamar que o Papai estava indo muito devagar para confeccionar bandeiras para sua campanha e que ele demorou muito a "despertar" para sua campanha. A propósito você não acha que para quem nunca mais iria falar com a Mamãe você está abusando da sua boa vontade? Quando você decidiu nunca mais voltar a falar com a Mamãe eu implorei aos prantos para que você voltasse mesmo fingindo. Você me atendeu, voltou ao convívio de sua Mãe, comeu de sua comida, morou sob seu teto e hoje ela lhe implora pela presença dos netos que nunca estão quando ela mais deseja. É, você tem razão, após tanta imploração eu entendo melhor o seu protesto e indignação quando me perguntou se eu me julgo o centro de tudo. Não sou mesmo !! Como poderia ?
Muitas pessoas dizem que sou muito severo e detalhista em minhas conclusões. Posso ter passado longe em algumas coisas que disse acima mas em muitas outras eu posso lhe dizer o mesmo que o Papai disse-me quando falava a respeito do Fernando: Todo mundo sabia e falava, mas ninguém conta prá gente.
Sabe eu não acredito ser tão ruim quanto você descreveu e talvez este seja o meu maior defeito, não enxergar meus erros, você me acusou de várias coisas, chamou-me de animal, egocentrico, prepotente ou talvez megalômano, mas no calor de sua indignação não houve espaço para exemplificar dizer o que as pessoas sofrem comigo e o que deve ser feito. Veja só, todas as vezes que encontro com o Papai são no Natal quando conversamos amenidades e lhe entrego um pequeno presente, como frango defumado ou bacon. Outras vezes fora do Natal foi quando trouxe-lhe um motor novo para o compressor da borracharia e quando trouxe o fusca e algumas outras ocasiões onde passo muito rapidamente para deixar um pão de semolina, nestes casos quase nunca conversamos pois estou com muita pressa. Será que sempre dá para humilhá-lo ou dar um presente é humilhante. Sendo assim também te humilhei quando dei-lhe as placas do seu computador e o curso de São Lourenço !
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